{"id":328,"date":"2023-05-08T07:36:37","date_gmt":"2023-05-08T10:36:37","guid":{"rendered":"https:\/\/spbaurumarilia.jornalfloripa.com.br\/arquivos\/328"},"modified":"2023-05-08T07:36:37","modified_gmt":"2023-05-08T10:36:37","slug":"quase-80-anos-depois-organizacao-secreta-do-interior-de-sp-que-matava-japoneses-ainda-e-tabu-historia-oculta","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/spbaurumarilia.jornalfloripa.com.br\/arquivos\/328","title":{"rendered":"Quase 80 anos depois, organiza\u00e7\u00e3o secreta do interior de SP que matava japoneses ainda \u00e9 tabu: ‘Hist\u00f3ria oculta’"},"content":{"rendered":"
Fundada por imigrantes japoneses em Mar\u00edlia (SP), ‘Shindo Renmei’ reuniu ultranacionalistas e assassinou 23 nip\u00f4nicos ap\u00f3s a Segunda Guerra Mundial. Em 2023, fatos ainda s\u00e3o pouco comentados dentro da comunidade, segundo familiares de v\u00edtimas e pesquisadores. Quase 80 anos depois, organiza\u00e7\u00e3o secreta do interior de SP que matava japoneses ainda \u00e9 tabu: \u2018Hist\u00f3ria oculta\u2019
\nArquivo pessoal
\nA Segunda Guerra Mundial acabou em 2 de setembro de 1945, quando um representante do Imperador Hirohito se rendeu diante das tropas americanas na ba\u00eda de T\u00f3quio, no Jap\u00e3o.
\nSeis meses depois, do outro lado do mundo, em Bastos, no interior de S\u00e3o Paulo, o japon\u00eas Ikuta Mizobe, de 53 anos, foi assassinado a tiros por um compatriota no quintal da pr\u00f3pria casa.
\nOs dois fatos parecem distantes um do outro, mas n\u00e3o s\u00e3o. Como milhares de outros imigrantes japoneses em territ\u00f3rio paulista, o assassino de Ikuta acreditava que o Jap\u00e3o havia vencido – e n\u00e3o perdido – a guerra.
\nEle era integrante da Shindo Renmei, uma organiza\u00e7\u00e3o japonesa secreta e ultranacionalista fundada em Mar\u00edlia (SP), que perseguia e matava conterr\u00e2neos que admitiam a derrota do pa\u00eds no conflito, respons\u00e1vel pela morte de aproximadamente 70 milh\u00f5es de pessoas – sendo 2,5 milh\u00f5es apenas no Jap\u00e3o.
\nNeta de veterano da 2\u00aa Guerra Mundial relembra hist\u00f3rias do av\u00f4: ‘Horr\u00edvel matar sem saber da hist\u00f3ria’
\n\u201cCartas an\u00f4nimas contendo amea\u00e7as de morte, atentados com bombas de [g\u00e1s] mostarda caseiras e assassinatos foram os meios encontrados por japoneses ligados \u00e0 organiza\u00e7\u00e3o para \u2018purgar\u2019 a col\u00f4nia nip\u00f4nica dos \u2018traidores\u2019 ou \u2018cora\u00e7\u00f5es sujos'”, explica Rog\u00e9rio Akiti Dezem, professor da Universidade de Osaka, no Jap\u00e3o.
\nIkuta foi um dos poucos em Bastos a alardear o fracasso do Jap\u00e3o na guerra. Gerente da cooperativa agr\u00edcola da cidade, ele foi morto depois de distribuir aos trabalhadores um comunicado sobre a derrota.
\n\u201cEle escutou no r\u00e1dio sobre a guerra e se sentiu na obriga\u00e7\u00e3o de informar os cooperados. N\u00e3o teve culpa nenhuma. Foi morto por falar a verdade\u201d, diz Vinicius Mizobe, sobrinho-neto de 21 anos do japon\u00eas.
\nAl\u00e9m de Ikuta, ao menos outros 22 nip\u00f4nicos foram mortos e 147 ficaram feridos pelos ataques da organiza\u00e7\u00e3o. Os atentados deixaram rastros de sangue em todo o estado, especialmente na regi\u00e3o centro-oeste.
\nQuase 80 anos depois, o assunto permanece pouco comentado dentro da comunidade nikkei, segundo familiares das v\u00edtimas e pesquisadores. Vinicius, por exemplo, teme que a hist\u00f3ria se perca com o passar do tempo. \u201c\u00c9 bem oculta\u201d, ele diz.
\nRepress\u00e3o do Estado
\nComunidade japonesa se fixou em grande concentra\u00e7\u00e3o em cidades do interior de SP, como Bastos
\nDivulga\u00e7\u00e3o\/Memorial dos Munic\u00edpios
\n\u00c0 \u00e9poca da Segunda Guerra, no in\u00edcio da d\u00e9cada de 1940, mais de 200 mil japoneses e descendentes viviam no Brasil, a maioria concentrada nos estados de S\u00e3o Paulo, Paran\u00e1 e Par\u00e1.
\nNo centro-oeste paulista, a comunidade japonesa se fixou em cidades como Bastos, Tup\u00e3, Mar\u00edlia e Pompeia. Os nip\u00f4nicos representavam uma grande parcela da popula\u00e7\u00e3o desses locais. No munic\u00edpio bastense, por exemplo, sete dos nove mil habitantes eram imigrantes japoneses.
\nApesar da concentra\u00e7\u00e3o, o cotidiano desses japoneses era marcado pela discrimina\u00e7\u00e3o. \u201cO grupo nunca foi bem visto pela sociedade brasileira, especialmente pelos eugenistas e pol\u00edticos preocupados com o branqueamento da popula\u00e7\u00e3o\u201d, diz Zeila de Brito Demartini, diretora de pesquisa do Centro de Estudos Rurais e Urbanos da Universidade de S\u00e3o Paulo (CERU-USP).
\nA situa\u00e7\u00e3o come\u00e7ou a piorar em janeiro de 1942, quando a neutralidade do Brasil na guerra chegou ao fim. Naquele m\u00eas, Get\u00falio Vargas rompeu diplom\u00e1tica e comercialmente com os pa\u00edses do Eixo depois que mais de 30 navios brasileiros foram afundados pela Alemanha.
\n\u201cO olhar intolerante para com os estrangeiros, associado aos acontecimentos da guerra, na qual o Jap\u00e3o se tornou \u2018pa\u00eds inimigo\u2019 do Brasil, foram respons\u00e1veis pelo momento em que a col\u00f4nia japonesa aqui radicada viveu seus momentos mais dif\u00edceis\u201d, explica Dezem.
\nA partir de ent\u00e3o, os japoneses ficaram proibidos, por lei, de falar o pr\u00f3prio idioma, cantar, tocar seu hino, exibir imagens de seus governantes, viajar sem salvo conduto, de se reunir em locais particulares ou p\u00fablicos para festejar ou discutir ideias, de se mudar sem aviso pr\u00e9vio, possuir aparelhos de r\u00e1dio e at\u00e9 de usar os pr\u00f3prios meios de transporte.
\nFotografia antiga de escola japonesa em Bastos (SP), onde a maioria da popula\u00e7\u00e3o era nikkei na d\u00e9cada de 40
\nDivulga\u00e7\u00e3o\/Memorial dos Munic\u00edpios
\n“Meus av\u00f3s n\u00e3o puderam aprender a l\u00edngua japonesa na escola. Eles estudaram escondidos. Uma professora ia na casa deles \u00e0 noite para ensin\u00e1-los\u201d, diz Vinicius.
\nDe acordo com Dezem, os decretos varguistas faziam parte da chamada \u201cgeopol\u00edtica do controle\u201d. \u201c\u00c9 por meio dela que o Estado, de car\u00e1ter autorit\u00e1rio, passa a identificar e tentar controlar aqueles elementos ou grupos considerados \u2018indejes\u00e1veis\u2019 ou que podem sucitar algum perigo\u201d, explica.
\nNesse contexto, in\u00fameros grupos se formaram dentro da comunidade nikkei com o objetivo de manter a col\u00f4nia unida. Um deles foi a Shindo Renmei, que, inicialmente, buscava apenas a manuten\u00e7\u00e3o do “Yamato Damashii” – o esp\u00edrito japon\u00eas, caracter\u00edstica do forte nacionalismo enraizado na cultura nip\u00f4nica.
\nAinda h\u00e1 controv\u00e9rsias em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 data de funda\u00e7\u00e3o da organiza\u00e7\u00e3o, que teve como principais l\u00edderes os ex-coron\u00e9is japoneses Junji Kikawa e Jinsaku Wakiyama. Existem ao menos tr\u00eas vers\u00f5es sobre o tema.
\nUma delas diz que a Shindo surgiu no pr\u00f3prio ano de 1942, diante da forte repress\u00e3o do Estado sobre os japoneses. Outra, que o grupo se originou entre 1944 e 1945, a princ\u00edpio com o nome de Kod\u00f4sha, ou Movimento Unificador.
\n\u201cE a vers\u00e3o oficial, propalada por alguns dirigentes da sociedade, \u00e9 de que ela surgiu logo depois do fim da guerra, na tentativa de ser legalizada perante as autoridades brasileiras\u201d, diz o professor.
\nFim da guerra, mas n\u00e3o no Brasil
\nA guerra terminou na Europa em 8 de maio de 1945, mas prosseguiu na \u00c1sia at\u00e9 aquele setembro. Segundo Dezem, foi a partir da rendi\u00e7\u00e3o do Jap\u00e3o que a Shindo passou a assumir diretrizes mais radicais, como amea\u00e7as de morte e assassinatos.
\n\u201cMuitos japoneses se aproveitaram do caos vivenciado no interior da comunidade, a partir das informa\u00e7\u00f5es desencontradas sobre o desfecho da guerra, para obter vantagens sobre os pr\u00f3prios conterr\u00e2neos\u201d, explica Dezem.
\nA pol\u00edcia s\u00f3 soube da exist\u00eancia da Shindo naquele ano. \u00c0 \u00e9poca, ela j\u00e1 contava com cerca de 120 mil membros, entre s\u00f3cios e simpatizantes, espalhados em mais de 60 filiais no interior de SP. O grupo era equivalente a 60% dos japoneses radicados no pa\u00eds.
\n\u201cA not\u00edcia da derrota do Jap\u00e3o e a repress\u00e3o vivida pelos japoneses no per\u00edodo geraram uma grande confus\u00e3o no seio da col\u00f4nia. Para a maioria dos imigrantes, a Shindo se tornou uma esp\u00e9cie de \u2018luz no fim do t\u00fanel\u2019\u201d, diz Dezem.
\nMensagem escrita em japon\u00eas por integrantes da Shindo Renmei contendo amea\u00e7as de morte
\nArquivo pessoal
\nDiante da desinforma\u00e7\u00e3o sobre o resultado da guerra, muito causada pela legisla\u00e7\u00e3o nacionalista da \u00e9poca, a comunidade japonesa sofreu uma ruptura.
\nDe um lado, concentraram-se em maior quantidade os katigumi, ou vitoristas, que, devido \u00e0 falta de not\u00edcias em l\u00edngua japonesa, acreditavam na mentira da vit\u00f3ria do Jap\u00e3o na guerra. Do outro, em menor tamanho, os makegumi, ou derrotistas, que, com mais acesso aos meios de comunica\u00e7\u00e3o, divulgavam a not\u00edcia real de que o pa\u00eds havia perdido.
\n\u201cO car\u00e1ter repressivo do nacionalismo varguista, as diferen\u00e7as de car\u00e1ter social e ideol\u00f3gico entre os pr\u00f3prios imigrantes refor\u00e7adas durante a guerra, a derrota nip\u00f4nica e o \u2018fanatismo\u2019 foram a combina\u00e7\u00e3o perfeita para o fat\u00eddico racha\u201d, diz Dezem.
\nOnda de ataques
\n‘Os sete samurais’ de Tup\u00e3 (SP) em fotografia que estampa a capa do livro ‘Cora\u00e7\u00f5es Sujos’, de Fernando Morais
\nReprodu\u00e7\u00e3o
\nSegundo o historiador Paulo Jos\u00e9 de Oliveira, a primeira atitude radical da Shindo ocorreu em Tup\u00e3, em janeiro de 1946. Na ocasi\u00e3o, sete japoneses foram presos na cidade depois de tentar degolar um cabo da For\u00e7a P\u00fablica (atual Pol\u00edcia Militar).
\nIsso porque, um dia antes, o agente havia limpado as botas com uma bandeira do Jap\u00e3o rec\u00e9m-hasteada pelos nip\u00f4nicos – na \u00e9poca, hastear as bandeiras dos pa\u00edses do Eixo era considerado crime contra a seguran\u00e7a nacional.
\n“Aqueles japoneses eram Tokkotai, nome dado aos integrantes de uma esp\u00e9cie de unidade especial de ataque da Shindo\u201d, explica Paulo. O termo \u00e9 a abrevia\u00e7\u00e3o de Taiatari Tokubetsu Kogekitai, ou \u201cpelot\u00e3o dos mo\u00e7os suic\u00eddas\u201d.
\nNa d\u00e9cada de 1990, o historiador percorreu cidades da regi\u00e3o de Mar\u00edlia em busca de imigrantes afetados pelos ataques. Ele conheceu dois dos sete japoneses envolvidos no epis\u00f3dio. \u201cN\u00e3o se arrependeram do que aconteceu\u201d, diz.
\nOs relatos colhidos por Paulo foram publicados no livro \u201cCora\u00e7\u00f5es Sujos\u201d, escrito por Fernando Morais e vencedor da categoria de melhor reportagem do Pr\u00eamio Jabuti de 2001.
\n‘Cora\u00e7\u00f5es Sujos’ foi produzido no Centro-Oeste Paulista
\nPor causa da hist\u00f3ria, os sete nip\u00f4nicos, os mesmos que aparecem na capa do livro, ficaram conhecidos como \u201cos sete samurais\u201d. \u201cEles foram presos e levados para Mar\u00edlia, mas foram soltos. Quando voltaram a Tup\u00e3, foram tratados como her\u00f3is, e a\u00ed as coisas come\u00e7aram a desandar\u201d, diz Paulo.
\nIkuta foi morto dois meses depois. Ap\u00f3s o crime, o secret\u00e1rio dele, Kemsuke Moniwa, de 40 anos, tamb\u00e9m foi perseguido. Para n\u00e3o ser assassinado, ele se escondeu por mais de um m\u00eas na \u00e1rea rural de Bastos.
\n\u201cKemsuke ficou confinado no forro do s\u00edtio do meu pai por 40 dias. Dois fan\u00e1ticos chegaram a procur\u00e1-lo na casa. Depois disso, ele passou um tempo sem ir para a cidade\u201d, conta o sobrinho do imigrante, Fumio Moniwa, de 81 anos.
\nFumio era crian\u00e7a na \u00e9poca, mas relembra com clareza do epis\u00f3dio. \u201cMinha fam\u00edlia fazia marmita para ele todo dia. Amarravam o prato em uma cordinha e subiam para ele comer. Eu vivi isso\u201d, diz.
\nIkuta Mizobe, japon\u00eas radicado em Bastos (SP) e assassinado aos 53 anos pela Shindo Renmei, em 1946
\nArquivo pessoal
\nA partir da morte de Ikuta, os assassinatos duraram quase um ano. Em Tup\u00e3, centenas de japoneses foram linchados e presos em um campo de concentra\u00e7\u00e3o improvisado no est\u00e1dio municipal depois que o contabilista Jorge Okazaki e o fot\u00f3grafo Minoru Nitto foram mortos.
\nNo centro-oeste de SP, houve ainda registros de ataques bem e mal sucedidos em Mar\u00edlia, Cafel\u00e2ndia, Borborema e Getulina. Em algumas dessas cidades, a organiza\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m fez com que muitos fazendeiros suspendessem a produ\u00e7\u00e3o de bicho-da-seda, mat\u00e9ria-prima supostamente utilizada nos paraquedas dos Aliados.
\nAl\u00e9m dos ataques, outra frente de atua\u00e7\u00e3o da Shindo foi a da comunica\u00e7\u00e3o. O grupo chegou a produzir falsifica\u00e7\u00f5es de todos os tipos para demonstrar que o Jap\u00e3o havia vencido os Estados Unidos, alegando que as informa\u00e7\u00f5es recebidas no Brasil sobre o desfecho da guerra eram propaganda norte-americana.
\n\u201cExistia um fot\u00f3grafo em Tup\u00e3 que manipulava as fotos para que as pessoas pensassem que o Jap\u00e3o tinha rendido os Estados Unidos. Foi a fake news da \u00e9poca. Um fanatismo\u201d, diz Paulo.
\nDerrocada
\nRecorte de jornal impresso de 1946 com mat\u00e9ria sobre atentados a bombas feitos pela Shindo Renmei em Bastos (SP)
\nArquivo pessoal
\nFoi a partir da pris\u00e3o de alguns dos principais dirigentes da Shindo, em uma batida na sede central do grupo, no bairro do Jabaquara, na capital, que a sociedade come\u00e7ou a ser extinta.
\nDe acordo com registros do Departamento de Ordem Pol\u00edtica e Social (Dops), 31.380 japoneses foram identificados e fichados por suspeita de liga\u00e7\u00e3o com a organiza\u00e7\u00e3o. Centenas deles foram presos.
\nEm agosto de 1946, Eurico Gaspar Dutra decretou a expuls\u00e3o de 81 imigrantes japoneses por terrorismo. \u201cNo entanto, a pena nunca ocorreu efetivamente, e boa parte dos japoneses foi colocada em liberdade\u201d, diz Dezem. Dez anos depois, todos foram libertados por decreto de Juscelino Kubitschek.
\nSegundo o professor, o \u201cCaso Shindo Renmei\u201d, como ficou conhecido entre as autoridades policiais e jur\u00eddicas, \u00e9 considerado um dos processos com o maior n\u00famero de indiciados na hist\u00f3ria do Brasil, com mais de 600 nomes.
\n\u2018P\u00e1gina obscura da hist\u00f3ria japonesa\u2019
\nO tempo passou, mas a comunidade nikkei ainda cita com receio o per\u00edodo traum\u00e1tico. \u201cFalar sobre esses acontecimentos evoca especialmente entre os mais velhos n\u00e3o apenas lembran\u00e7as de momentos dolorosos, que a mem\u00f3ria tenta esquecer, mas tamb\u00e9m sentimentos de vergonha\u201d, diz Zeila.
\nFumio \u00e9 um dos poucos da fam\u00edlia que conversa abertamente sobre o assunto, segundo ele. Ainda assim, o idoso reconhece o porqu\u00ea do tema ser um tabu entre os familiares.
\n\u201c\u00c9 uma p\u00e1gina obscura da hist\u00f3ria da col\u00f4nia japonesa no Brasil. Por costume, a comunidade era muito unida. Todo mundo ajudava todo mundo. S\u00f3 que, depois dessa guerra, houve uma cis\u00e3o. As pessoas deixaram de se casar por causa de rela\u00e7\u00f5es com a Shindo Renmei\u201d, explica Fumio.
\nEle acredita que boa parte da \u201cnova gera\u00e7\u00e3o\u201d n\u00e3o sabe sobre a hist\u00f3ria. O jovem Vinicius concorda. \u201cO pessoal antigo prefere ocultar. Muita gente n\u00e3o sabe que isso existiu. Quando as pessoas descobrem, falam: \u2018n\u00e3o acredito\u2019\u201d, diz.
\nMizobe s\u00f3 soube da hist\u00f3ria por uma grande coincid\u00eancia. Quando tinha oito anos, encontrou no s\u00edtio do av\u00f4 um \u00e1lbum de comemora\u00e7\u00e3o aos 45 anos de Bastos, feito em 1973. \u201cNo livro, tem um texto sobre Ikuta. Li e decidi perguntar para o meu av\u00f4 sobre aquilo. A\u00ed ele contou: \u2018esse foi um tio nosso que, por falar a verdade, foi morto\u2019. Foi assim que descobri\u201d.
\n\u201c\u00c9 uma grande bobeira n\u00e3o querer contar o que aconteceu. \u00c9 uma parte da hist\u00f3ria que n\u00e3o d\u00e1 para querermos apagar. Acho que isso tem que ser contado para que nunca mais aconte\u00e7a\u201d, diz Vinicius.
\nNenhum outro pa\u00eds que recebeu imigrantes japoneses registrou algo parecido com as a\u00e7\u00f5es da Shindo Renmei realizadas no estado de S\u00e3o Paulo. Nas entrevistas feitas nos anos 90, Paulo soube que muitos dos envolvidos nos ataques esconderam a hist\u00f3ria da fam\u00edlia.
\n\u201cFoi preciso muita persist\u00eancia para fazer as entrevistas. Quem integrava os derrotistas, geralmente se abria mais. Com certa dificuldade, mas se abria. J\u00e1 os vitoriosos n\u00e3o gostavam muito de falar\u201d, conta.
\nLEIA TAMB\u00c9M
\nJaponeses t\u00eam papel de destaque na produ\u00e7\u00e3o de hortifr\u00fatis em Piedade
\nBiblioteca com mais de 70 mil t\u00edtulos preserva cultura do pa\u00eds sede das Olimp\u00edadas no interior paulista
\nPara os pesquisadores, ainda h\u00e1 muitas perguntas a serem respondidas sobre a organiza\u00e7\u00e3o. \u201cQuanto mais hist\u00f3rias eu ou\u00e7o, mais depoimentos leio, cada vez mais tenho menos certezas sobre boa parte do que foi escrito at\u00e9 agora sobre a Shindo\u201d, diz Dezem.
\n“Eu tenho quase certeza de que essa hist\u00f3ria vai sumir, porque n\u00e3o \u00e9 falada”, relata Vinicius.
\nVeja mais not\u00edcias da regi\u00e3o no g1 Bauru e Mar\u00edlia
\nV\u00cdDEOS: Assista \u00e0s reportagens da TV TEM<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Fundada por imigrantes japoneses em Mar\u00edlia (SP), ‘Shindo Renmei’ reuniu ultranacionalistas e assassinou 23 nip\u00f4nicos ap\u00f3s a Segunda Guerra Mundial. Em 2023, fatos ainda s\u00e3o pouco comentados dentro da comunidade, segundo familiares de v\u00edtimas e pesquisadores. Quase 80 anos depois, organiza\u00e7\u00e3o secreta do interior de SP que matava japoneses ainda… Continue lendo