Mulher, negra e lésbica, Luana Hansen é uma das precursoras do rap feminista no Brasil, ainda no início dos anos 2000. Nascida e criada na periferia de São Paulo, a artista, que já foi tema de estudo em mais de 80 trabalhos acadêmicos, vive atualmente em Bauru, no interior do estado, onde continua presente “na cena”. Luana Hansen é uma das pioneiras no rap feminista brasileiro
Geledes/Reprodução
Em 50 anos, o Hip Hop se desenvolveu como gênero, cultura e um estilo de vida, dando espaço a milhões de vozes contestadoras, outrora silenciadas. O movimento que nasceu nos anos de 1970, no bairro operário do Bronx, em meio à crise econômica nos Estados Unidos, logo ganhou o mundo, em especial as periferias dele, e completa cinco décadas de vida nesta sexta-feira (11).
Uma dessas vozes amplificadas pelo movimento atende por Luana Hansen, DJ, produtora musical e uma das primeiras rappers ao alcançar grande sucesso no Brasil. Nascida e criada na periferia de São Paulo, capital, a artista vive atualmente em Bauru, no interior do estado, onde continua presente “na cena”.
Se hoje a artista pode se orgulhar de ser reconhecida até mesmo academicamente, sendo tema de estudo de mais de 80 trabalhos de conclusões de curso, mestrado e PhD, isso somente entre alunos da USP, a sua jornada no Hip Hop conversa diretamente com a história de outros jovens periféricos que se encontraram no movimento.
“Eu era aquela garota que não tinha futuro. Jamais imaginei que ia chegar onde eu cheguei, eu era uma adolescente que vivia no meio das drogas e lembro que o Rap me resgatou, me mostrou que eu poderia fazer alguma coisa. Lembro quando recebi o primeiro aplauso por cantar, isso na Fundação Casa de Taubaté. Eu entendi naquele momento que podia ser alguém na vida, além de uma mulher negra, periférica e sem futuro”, comenta.
A MC e produtora musical nasceu em São Paulo, mas vive em Bauru
Arquivo Pessoal
A vida de Luana e seu caráter foram moldados pelas adversidades. Embora ressalte o ambiente de protesto e de defesa às minorias presente no Hip Hop, a MC afirma que teve que lidar com o preconceito dentro do próprio mundo movimento.
“Para subir no palco as ‘minas’ tinham que ‘tá’ masculinizadas, isso para poder ter espaço no refrão de uma música. E hoje vemos que existem grupos, movimentos, mas isso veio através de muita luta”, afirma.
” O Hip Hop é um movimento social e, portanto, um retrato da sociedade. Então, no decorrer desses 50 anos, e eu estando há 20 pelo menos, vi muita mudança. Éramos marginais, agora somos arte.”
Preta, periférica e lésbica, Luana começou no Rap apadrinhada pelo grupo de “A Força”. Hoje, a artista é produtora de sua própria música dentro de um movimento majoritariamente ocupado por homens e traz no seu trabalho o grito das minorias em composições que protestam contra preconceitos, criminalização do aborto e genocídio da população negra.
Reconhecida dentro dos movimentos LGBTQIAP+ e feminista, Luana já ganhou prêmios importantes como o Hutúz, em 2005, com o melhor single Feminino, com grupo A-TAL. “Ganhei com uma música sobre uma mulher separada que precisa de pensão pro seu filho, mas seu ex-marido é bandido”, revela.
Luana Hansen tem mais de 20 anos de carreira e começou apadrinhada pelo grupo de rap A Força
Instagram/Reprodução
Dentre as realizações, se orgulha de ter sido convidada a cantar no primeiro Festival de Rap Feminista de Cuba, sendo a única brasileira no evento, além de ter participado da minissérie “Antônia”, da Rede Globo.
Seu último Álbum “Favela” foi lançado no Festival Fuzarka em Berlin 2018 e seguiu por turnê nacional e internacional, passando por cidades como Rio de Janeiro, Viena e Linz, ambas na Áustria.
Outra característica marcante em sua personalidade é a de ser uma mulher de posicionamento. Já criticou abertamente grandes nomes do Rap nacional, como Racionais MC‘s e Emicida. “Temos que denunciar o machismo de quem quer que seja”. Em resposta à letra de “Trepadeira”, composta por Emicida, ela escreveu um de seus maiores sucessos: “Flor de Mulher”.
“Eu aprendi logo no início do Hip Hop que quem cala, consente. Então eu não consigo ficar calada. Eu não tenho o posicionamento contra nenhuma pessoa específica, mas sim contra o machismo, a LGBTQfobia dentro do movimento, contra a misoginia e qualquer outro tipo de violência”, afirma.
Uma de suas principais bandeiras é a pela presença cada vez mais massiva de mulheres e pessoas LGBTQIAP+ no Hip Hop, seja no Rap, como DJ, no breaking ou na arte do grafite. Ela se orgulha por ter sido uma das responsáveis por lançar artistas como Linn da Quebrada.
“Quando o movimento LGBTQIAP+ entrou, só acrescentou ao movimento do Hip Hop. Ele já lutava contra o racismo, contra a violência. Agora temos a luta contra violência doméstica, contra a violência das mulheres e, junto com a comunidade LGBTQ, também estamos falando sobre transfobia, liberdade de gênero, pautas para transformar uma sociedade mais justa. O Hip Hop é um movimento social. Lutamos para viver”, pontua.
Luana Hansen ganhou o Prêmio Hutúz de hip-hop 2005
Arquivo Pessoal
Vida no interior de SP
Morando em Bauru, a artista continua desenvolvendo projetos e participando ativamente de produções culturais ligadas ao Hip Hop. Mais experiente, busca que suas conquistas sejam um escudo de proteção para novas meninas que sonham em se desenvolver no Hip Hop, tal como foram as artistas Dina Di, Sharylaine, Rubia RPW, Kamila, Rose MC, Tarja Preta e Nega Gizza para ela.
“Assim que eu cheguei em Bauru, eu já conhecia parcialmente a ‘cena’ da cidade, porque ela é muito bem falada em outros lugares. Mas eu fiquei muito surpresa, fui muito bem recebida por todos, principalmente pela Frente Feminina de Hip Hop de Bauru. Hoje temos um espaço que já teve oficinas de DJs, de produção musical. Tivemos um espetáculo recentemente com mais de 15 MCs mulheres, lançamento de documentário, fora as grafiteiras, as b-girls. Eu fui muito bem recebida como artista, e Bauru tem muito a oferecer ao Hip Hop”, ressalta.
Frente Feminina de Hip Hop e a Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop apoiaram evento em Bauru
Arquivo Pessoal
Mesmo assim, a artista e ativista sabe que não é amada por todos. O que não a incomoda nem um pouco, desde que o respeito à sua arte seja preponderante.
“Até hoje eu percebo que tem muita gente que marginaliza a música e o Hip Hop. Quando você fala que é rapper, tem pessoas que te olham como um cara do tipo ‘ah, ela canta música de bandido’. Isso eu senti na vida e continuo sentindo mesmo depois de 23 anos de carreira”, comenta.
No entanto, o significado de Hip Hop para Luana transita na mesma esfera de liberdade e no seu reconhecimento como pessoa e artista. Sentimento, este, que ela espera que perdure para gerações futuras que buscam uma identidade.
“O Hip Hop, lá atrás, quando eu tinha os meus 18, 19 anos, ainda me conhecendo como pessoa, me resgatou, foi a curva certa que eu fiz na minha vida, foi onde me conheci como pessoa e tive orgulho de ser uma mulher negra. Hoje, eu só posso agradecer a essa oportunidade e espero que a nossa arte ainda dure milênios e que o rap resgate milhões de pessoas”, decreta.
Luana Hansen é considerada uma das principais produtoras musicais de Rap do Brasil
Felipe L. Gonçalves/Brasil247/Reprodução
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