Nas regiões de Bauru, Itapetininga, São José do Rio Preto e Sorocaba (SP), 10 cidades oferecem passe livre nos ônibus. Para pesquisador Daniel Santini, mestre em planejamento Urbano e regional na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), o benefício pautará as discussões sobre mobilidade urbana em 2024. Estudante usa passe livre para embarcar em ônibus
Andre Borges/Agência Brasília
Ao menos 65 municípios brasileiros adotaram a tarifa zero universal nos ônibus, entre 2021 e janeiro de 2024. Uma delas é Itapetininga (SP), a sexta maior cidade do país e a segunda de São Paulo a oferecer o benefício. O g1 conversou com um especialista para entender o que impulsiona a adesão ao passe livre e quais são seus impactos na mobilidade urbana.
O pesquisador sobre direito à mobilidade Daniel Santini reúne informações sobre cidades que oferecem ônibus totalmente gratuitos à população. A base de dados é atualizada regularmente, conforme anúncios oficiais e colaboração de pesquisadores e internautas. Confira aqui.
Segundo o levantamento, a adesão ao passe livre sofreu um “boom” em 2023, quando 36 cidades zeraram a tarifa do transporte coletivo. Com o aumento de 43,7%, a lista passou de 64 para 100 municípios e chegou a 101 em janeiro de 2024.
Em Itapetininga, ônibus são gratuitos a toda população
Victor Cardoso/TV TEM
De acordo com Santini, mestre em planejamento Urbano e regional na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), o sistema de transporte público está em crise, impulsionada por diversos fatores, como diminuição de passageiros e a “plataformização” de serviços de viagens, que provocam concorrência desleal no mercado.
O pesquisador acrescenta que, mesmo antes da pandemia da Covid-19, as empresas já sofriam com a diminuição de passageiros. “É uma tendência de queda que já vinha ocorrendo mesmo antes da Covid-19, mas se acentuou com a pandemia”, comenta.
Menos passageiros e aumento de combustível, soma que afetou o orçamento das companhias e das prefeituras que operam o serviço de transporte público, como é o caso de Itapetininga. Na tentativa de equilibrar as contas, vieram reajustes de bilhetes e diminuição da frota, que ocasionaram em diminuição da demanda pelo serviço.
“Houve uma mudança bastante concreta de posicionamento, inclusive de empresas e empresários, que passaram a perceber que o único jeito de salvar o transporte público coletivo é aumentar subsídios. A dependência da tarifa tornou o serviço inviável, [além] do avanço da mobilização, uma concorrência que é desleal – ela é baseada na falta de regras, na precarização de trabalho e que tem um impacto concreto no transporte coletivo”, explica Santini.
Nas regiões de Bauru, Itapetininga, São José do Rio Preto e Sorocaba (SP), 10 cidades oferecem passe livre nos ônibus. Veja no mapa abaixo:
‘Não são só 20 centavos’
Protestos de junho de 2013
g1
Outros dois fatores também impulsionam a adoção da medida, diz o pesquisador Daniel Santini: Mobilização e interesses políticos.
Santini cita os protestos de 2013 que ocorreram praticamente em todo o país, após mobilização contra o reajuste das tarifas em São Paulo. Na época, o então governador de SP pelo PSDB, Geraldo Alckimin (PSB), e o ex-prefeito da cidade Fernando Haddad (PT) aumentaram o preço do bilhete em R$ 0,20, mas voltaram atrás e reajustaram para R$ 3.
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“Desde então, os gestores públicos olham duas, três vezes para tentar aumentar, para considerar uma mudança”, salienta o pesquisador.
Além disso, derrubar tarifas de ônibus é uma estratégia utilizada na busca por popularidade entre o eleitorado. “A política de tarifa zero dá votos, provoca adesão e traz interesses”, pontua.
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‘Acesso a outros direitos’
Mais do que preservar a renda familiar, a gratuidade nos ônibus promove a democratização dos espaços públicos, colabora com a economia local, diminui a poluição na atmosfera e impacta de forma positiva nas estatísticas de acidentes de trânsito.
Conforme estudos de Santini, as populações mais pobres são as mais beneficiadas com o passe livre. “Todos os casos que a gente sistematizou dados, revelam uma explosão de demanda, especialmente em áreas mais pobres. Isso indica de maneira muito concreta que tem uma parte da população que está segregada, que simplesmente não se desloca em função do custo.
“Ampliar a possibilidade de acesso às políticas de gratuidade elas oferecem aí uma possibilidade maior de desfrutar o direito à cidade, de ter as pessoas se locomovendo efetivamente. (…) O direito à mobilidade dá acesso a outros direitos”, completa.
Catraca de ônibus
Ruan Souza/Semcom
Menores índices de acidentes
Outro efeito importante provocado pelo uso do transporte público é a diminuição no número de acidentes de trânsito.
“Um sistema de mobilidade baseado no transporte motorizado individual, necessariamente eu vou ter um alto índice de ocorrência de trânsito, ou seja, muita gente vai morrer. É o que a gente já se acostumou, passou a considerar como algo natural, mas que a gente não deveria aceitar”, pontua o pesquisador.
“Se eu quero pleitear, sonhar, ambicionar, viver em cidades mais agradáveis, sem tanto congestionamento, sem tanta poluição, que funcionem de maneira mais adequada, eu preciso necessariamente pensar em políticas para fortalecer o transporte público. E a tarifa zero é algo paradigmático para uma mudança, uma mudança estrutural na maneira como a coisa tem que funcionar”, complementa.
Ônibus de Sorocaba, no interior de SP
Divulgação
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