Resolução que garantiu a casais homoafetivos direito de se casar no civil completou uma década neste mês de maio. Padre Beto, de Bauru (SP), reconhece avanços, mas acredita que eles poderiam ser maiores. Padre excomungado por defender diversidade sexual celebra com ressalvas 10 anos de regulamentação do casamento gay: ‘Progresso lento’
Arquivo pessoal/Fábio Fornaroli
O padre de Bauru (SP) que foi excomungado da igreja católica por defender a diversidade sexual considera que os avanços trazidos pela regulamentação do casamento gay, que completou dez anos neste mês de maio, ainda são lentos.
“Poderia ter avançado mais. A gente ainda tem muito a progredir. Nossa sociedade ainda é muito homofóbica, machista e racista”, diz Roberto Francisco Daniel, conhecido como padre Beto, de 57 anos.
Em abril de 2013, Beto foi expulso pela Diocese bauruense depois de publicar nas redes sociais vídeos em que refletia sobre temas como união entre homossexuais e fidelidade e sobre a necessidade de mudanças na estrutura da instituição.
Padre de Bauru, excomungado por defender diversidade sexual, recebe ‘Oscar Gay’
“Acho impossível seguir o evangelho de Jesus Cristo em uma instituição que, no momento, não respeita a liberdade de reflexão e de expressão. O modelo que nós temos que seguir se chama Jesus Cristo e esse modelo viveu plenamente essa liberdade e fez com que as pessoas refletissem”, disse na época.
Um mês depois, em 14 de maio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma resolução que passou a garantir aos casais homoafetivos o direito de se casar no civil. Com a medida, tabeliães e juízes ficaram proibidos de se recusar a registrar a união.
Desde então, os registros em cartório de uniões entre pessoas do mesmo sexo quadriplicou no país, segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Os números saltaram de 3,7 mil em 2013 para quase 13 mil em 2022.
O aumento também tem ocorrido no centro-oeste paulista, segundo o ex-sacerdote, que vê a alta ainda refletir nas cerimônias religiosas. “Além de ajudar os casais homoafetivos a oficializar a união, o casamento no civil deu coragem para que eles procurassem realizar essa união também no casamento religioso”.
Mas ele acredita que o avanço poderia ser maior, o que não acontece, de acordo com Beto, por causa dos dogmas cristãos, que atravancam o processo. “A igreja católica continua sendo conservadora, e esse conservadorismo se acentuou com o passar do tempo”, diz.
“A sociedade passou por um período de retrocesso. E a igreja muito mais é influenciada pela sociedade do que a influencia. Falta um concílio que discuta as normas morais e a própria visão de sexualidade que a igreja possui”, explica o padre.
Beto começou a fazer casamentos homoafetivos quatro meses depois da excomunhão. Segundo ele, a iniciativa foi tomada após inúmeros pedidos feitos por casais que passaram a procurá-lo mesmo após a saída dele da igreja. “É claro que eu explicava pra eles que o casamento não tinha validade para igreja católica, mas respondiam: ‘o senhor vem em nome de Deus. É o suficiente'”, conta.
“Eu acho que foi uma forma de eles mostrarem um apoio ou de entenderem a importância da causa. Receber esse apoio foi muito gratificante. Me mostrou que minha missão religiosa não havia acabado. Pelo contrário, havia se ampliado. Fora da igreja, percebi que sou muito mais livre pra poder amar o ser humano”, diz.
Padre Beto realiza casamentos em todo o país
Arquivo pessoal
Hoje, o padre faz, em média, oito casamentos por mês, dois deles homoafetivos, em todo o país. Fora das cerimônias, Beto é professor universitário de filosofia, com graduação na área, em direito, história e teologia e doutorado em ética.
“O casamento religioso homoafetivo é importante não somente para os noivos, mas para as muitas pessoas que passaram por aqui e não tiveram a oportunidade de viver o amor como ele deve ser vivido. É também importante para as próximas gerações, para que possam amar de forma natural”, diz Beto.
Excomunhão
Padre Beto de Bauru diz que não se arrepende de declarações
A Diocese de Bauru divulgou em 29 de abril de 2013 a nota em que comunicava a excomunhão de Beto. A decisão, oficializada em 15 de novembro de 2014, foi tomada depois do padre se negar a se retratar pelos vídeos divulgados.
No documento, a instituição disse que o “padre feriu a Igreja com suas declarações consideradas graves contra os dogmas da Fé Católica, contra a moral e pela deliberada recusa de obediência ao seu pastor (obediência esta que prometera no dia de sua ordenação sacerdotal), incorrendo, portanto, no gravíssimo delito de heresia e cisma cuja pena prescrita no cânone 1364, parágrafo primeiro do Código de Direito Canônico é a excomunhão anexa a estes delitos”.
Missas de Beto na Paróquia Santo Antônio, em Bauru (SP), lotavam
Camila Turtelli/Agência Bom Dia
Após a oficialização da excomunhão, Beto iniciou uma campanha nas redes sociais com objetivo de obter uma resposta sobre a decisão do Vaticano. Em um vídeo, o ex-sacerdote questionou o Papa sobre o que ele teria feito de errado para ser excomungado e se o líder teria mesmo assinado a excomunhão, diante da postura mais aberta do representante maior da Santa Sé. Não houve resposta.
Em janeiro de 2015, o padre começou a realizar missas alternativas em Bauru. Segundo Beto, a celebração é uma resposta ao apelo das pessoas que sentiam falta da missa que ele celebrava. Além disso, as “missas” ajudam o ex-sacerdote a cumprir sua vocação.
Padre Beto foi entrevistado por Jô Soares, no ‘Programa do Jô’, da TV Globo, após ser excomungado em Bauru (SP)
Arquivo pessoal
“Na igreja católica, eu tinha que muitas vezes pisar em ovos. Controlar o meu discurso para não falar certas verdades que iam contra a doutrina católica. Hoje, sou livre para dar um discurso muito mais ecumênico e que prega um amor incondicional e sem exclusão”, diz.
Veja mais notícias da região no g1 Bauru e Marília
VÍDEOS: Assista às reportagens da TV TEM
Padre excomungado por defender diversidade sexual celebra com ressalvas 10 anos de regulamentação do casamento gay: ‘Progresso lento’
Adicionar aos favoritos o Link permanente.