ÁUDIOS: em gravações telefônicas, investigados falam com naturalidade sobre desvios milionários na Apae de Bauru


TV TEM e g1 tiveram acesso, com exclusividade, aos áudios e documentos que fazem parte das investigações sobre o desaparecimento e suposto assassinato de Cláudia Lobo, secretária executiva da Apae de Bauru, e sobre o esquema de desvio milionário que resultou nas prisões de oito pessoas. Apae faz sindicância interna para identificar responsáveis por desvio milionário em Bauru
A organização criminosa que desviava recursos da Apae de Bauru (SP) articulava suas ações abertamente dentro da própria instituição, utilizando os telefones fixos da entidade. A TV TEM e o g1 tiveram acesso, com exclusividade, a mais de 7 mil gravações dos ramais telefônicos da entidade, feitas a partir de 2020.
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Em uma dessas conversas, Roberto Franceschetti Filho, então presidente da Apae, e Cláudia Lobo, secretária executiva, discutem sobre o pagamento de um PIX em tom casual. O áudio expõe a naturalidade com que o grupo tratava dos desvios. Confira:
Roberto Fraceschetti e Cláudia Lobo discutem sobre PIX em ligação gravada
Outra gravação mostra Roberto e Cláudia debatendo o uso de recursos da instituição para resolver um acidente de trânsito que envolveu um funcionário.
Roberto e Cláudia debatem acidente de trânsito que envolveu funcionário da Apae
Além disso, um áudio traz Roberto e Maria Lúcia Miranda, atual coordenadora financeira da Apae, conversando em tom de brincadeira sobre valores que teriam sumido. O áudio foi classificado no inquérito como um indicativo da falta de controle e transparência no uso do dinheiro da instituição.
Roberto e Maria Lúcia Miranda conversam em tom de brincadeira sobre valores sumidos
De acordo com a Polícia Civil, Roberto e Cláudia eram os líderes do esquema criminoso e movimentaram juntos ao menos R$ 6,8 milhões em contas bancárias durante os cinco anos investigados.
Entre as práticas ilícitas identificadas pela polícia estão superfaturamento de contratos, pagamentos a funcionários fantasmas, “rachadinhas” e transferências bancárias diretas em benefício dos investigados.
A investigação também aponta um episódio suspeito envovendo Renato Golino, ex-coordenador financeiro da Apae. Em 2020, ele ganhou um carro zero quilômetro em um sorteio promovido pela entidade.
Roberto e Renato Golino na premiação da Apae de Bauru (SP) em 2020
Reprodução/Apae
A operação que revelou o esquema, conduzida pelo Setor Especializado de Combate aos Crimes de Corrupção, Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro (Secold), cumpriu 18 mandados de busca e apreensão e resultou nas prisões de oito pessoas, incluindo parentes de Cláudia Lobo e outros funcionários da entidade.
O inquérito foi aberto a partir de indícios de irregularidades na administração da entidade que teriam motivado o desaparecimento e possível assassinato de Cláudia.
Oito pessoas foram presas durante a operação que investiga desvios milionários na Apae
Reprodução/TV TEM
Acesso aos inquéritos
A TV TEM e o g1 também tiveram acesso aos dois inquéritos que investigam o desaparecimento e suposto homicídio de Cláudia Lobo e o esquema de desvio milionário na entidade. Ambos somam mais de 2,5 mil páginas e trazem detalhes das irregularidades.
Os documentos incluem depoimentos, transcrições de mensagens, quebra de sigilo bancário e informações sobre apreensões realizadas na instituição.
As mensagens obtidas pela polícia mostram como Cláudia e Roberto trocavam favores e dividiam quantias desviadas. Em uma conversa de 2019, por exemplo, Cláudia enviou um extrato bancário de mais de R$ 47 mil e escreveu na sequência: “Vou fugir”. Após um comentário de Roberto, ela transferiu metade do valor para ele.
Comprovante de depósito de mais de R$ 23 mil feito por Cláudia para Roberto
Reprodução/TV TEM
Em outra troca de mensagens, Cláudia mencionou um montante de R$ 240 mil, indicando que seria para um apartamento.
Em outro depoimento, é dito que Roberto, em junho de 2020, enviou um áudio avisando Cláudia para pegar um dinheiro na gaveta dele, e a secretária executiva respondeu dizendo: “Tô rica”, expressão utilizada várias vezes por ela, segundo o documento da Polícia Civil.
Em mensagem trocada com ex-presidente Apae de Bauru, Cláudia Lobo escreveu que estava rica
Reprodução/TV TEM
Os inquéritos também detalham o envolvimento de parentes de Cláudia no esquema. Letícia Lobo, filha da ex-secretária, trabalhava como funcionária fantasma e recebia salários sem exercer funções.
Ellen Lobo, irmã de Cláudia, e o marido, Diamantino Campagnucci, faturaram R$ 120 mil em contratos fraudulentos de produtos de limpeza.
Pérsio Prado, ex-marido de Cláudia, tinha um contrato de digitação de notas fiscais que, segundo a polícia, pagava valores incompatíveis com o trabalho realizado.
Outros envolvidos, como Renato Golino, ex-coordenador financeiro, e Renato Tadeu de Campos, segurança da Apae, também foram presos.
Letícia, filha de Cláudia Lobo, foi presa durante a operação em Bauru
Reprodução/TV TEM
Bonificações suspeitas
O inquérito do Secold também traz uma tabela com os nomes de 20 funcionários que recebiam diversas bonificações salariais ao longo dos meses. A polícia chegou a questionar a atual presidente, Maria Amélia, sobre a origem e a destinação do recurso.
O nome de Cláudia aparece diversas vezes na tabela – desde 2021, ela recebeu pouco mais de R$ 18,3 mil em bonificações. Já Maria Lúcia Miranda, também presa na terça-feira (3) por envolvimento no esquema, assim que se tornou coordenadora financeira da entidade, em fevereiro deste ano, recebeu R$ 6,5 mil por mês em gratificações, totalizando mais de R$ 43 mil.
Segundo a Polícia Civil, a Apae não soube explicar de forma concreta o motivo dessas pessoas receberem fora do salário quantias tão altas.
Bonificações recebidas pela secretária executiva da Apae de Bauru que foram documentadas no inquérito
Reprodução/TV TEM
Nota da Apae na íntegra
“Todos os depoimentos da sindicância foram entregues para a Polícia Civil, acreditando que as informações oferecidas auxiliaram no embasamento das decisões tomadas.
A respeito da Maria Lucia Miranda, o depoimento dela foi ouvido durante a sindicância, o qual indicou práticas ligadas à antiga gestão em desacordo com as normas de boa gestão financeira. Imediatamente tratamos de corrigi-las, aplicando as normas e boas práticas de gestão. Tão logo foi tomado conhecimento da sua detenção, decidiu-se pelo seu afastamento imediato.
Quanto à informação a respeito das gratificações citadas durante a coletiva de imprensa da Polícia Civil, realizada na quarta-feira (4), tratava-se de prática adotada pela gestão anterior para cargos de Coordenação, porém, sem critérios definidos para sua aplicação. Desde o início da nova gestão, foi firmado compromisso de dar solução dentro do corrente ano, o que será feito, analisando-se caso a caso.
Quanto ao valor apurado, qualquer que seja ele, pela natureza das atividades da instituição é altamente danoso não só financeiramente, como também moralmente.
A perícia contábil e financeira contratada pela Apae segue em andamento, e ainda não temos informações sobre os trabalhos.
A Apae Bauru aguarda o acesso ao inquérito para definir as providências a serem tomadas, além de estar implantando administrativamente as medidas corretivas.
É crucial compreender que os fatos foram cometidos pelas pessoas neles envolvidas, e não pela instituição. Assim, ressaltamos que a Apae Bauru segue prestando o serviço de excelência aos seus usuários nas áreas da Assistência Social, Educação e Saúde.”
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